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Gênero e ensino de História

uma experiência do PIBID-História UFAM



Foto: RF Studio | Pexels


Sou professora do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) desde 2009. Por ser professora da área de ensino venho coordenando a área de História, desde a implementação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no departamento de História da UFAM em 2014. Naquela altura, o PIBID já começava a se mostrar para mim como um espaço importante no complexo processo de formação do professor, pois possibilita ao licenciando vivenciar, refletir e colaborar na busca de soluções para o cotidiano do professor na sala de aula, porém sem o peso da responsabilidade e sob uma supervisão direta do professor que de fato tem essa responsabilidade.


Entre os anos de 2014 a 2018, pudemos observar no interior das escolas em que o PIBID era realizado, que as relações de gênero e suas interfaces com o ensino de história, não apareciam de forma muito clara e consistente, a não ser em iniciativas pontuais, dependendo do professor, geralmente professora, embora se constituíssem numa temática de extrema importância.


Em 2018, com o segundo edital e um pouquinho mais experiente, iniciamos algumas reflexões que, ao longo dos anos anteriores, fomos percebendo serem importantes discutir com os bolsistas de iniciação à docência para construirmos em conjunto um projeto que se desenvolveria em sala de aula e que fosse significativo tanto aos licenciandos quanto para os alunos da educação básica. A importância de tal projeto se dá especialmente num momento em que se vivencia esforços sistematicamente organizados por grupos que buscam desqualificar os estudos de gênero, construindo na população opiniões distorcidas sobre a questão, a exemplo de projetos como o Escola Sem Partido, que visam proibir educadores de realizar discussões sobre gênero na Educação Básica sob a “acusação” de estarem fazendo o que chamam erroneamente de “ideologia de gênero”.


Em nossos encontros quinzenais (bolsistas, coordenação de área e uma vez por mês contávamos com a presença dos supervisores) buscávamos pensar as diversas situações encontradas na escola eas relações de gênero no ensino de história acabavam sendo uma preocupação constante, pois os alunos observavam o trato diferenciado com as alunas e com os LGBTQIA+, tanto por parte dos próprios colegas, como por parte de muitos professores e funcionários em geral.


Foi nesse contexto que buscamos discutir e realizar, no âmbito do PIBID-História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no ano de 2019, uma ação onde nos propusemos a trazer o debate sobre ensino de história e as questões de gênero às salas de aula da educação básica de Manaus/AM. Iniciamos os debates lembrando a importância e o alcance das mudanças ocorridas na última década do século XX no ensino brasileiro de forma geral e, no ensino de História, de forma específica. Mudanças essas que foram frutos de lutas e disputas engendrados ao longo dos anos 1980 e 1990. Tais como a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) em 1997, que complementa ou é consoante à Lei de Diretrizes e Bases de 1994.


Entre polêmicas, retrocessos e avanços naquele documento, a abordagem de gênero na educação básica foi uma conquista e, àquela altura, tinha sido a primeira vez que o tema aparecia num documento oficial, como parâmetro curricular. De fato, os Parâmetros Curriculares Nacionais encaminharam as discussões sobre gênero, não vinculadas a disciplinas, mas nos chamados temas Transversais.


Ao longo dos debates buscamos refletir com os licenciandos sobre a necessidade de superar a forma de ensinar sobre gênero/sexualidade, pois entendemos que este é o primeiro passo para desconstruir os estereótipos. Dito de outra forma, ensinar que as escolhas e as subjetividades fazem parte do que ensinar sobre os gêneros na história. Durante as reuniões, os licenciandos e os professores supervisores partilharam sobre a diversidade de grupos culturais, classe, religião, etnia, sexualidade e gênero que encontramos na realidade escolar. E assim fomos entendendo que era importante fazer uma reflexão sobre as ações e os discursos presentes nas suas trajetórias e que isso requeria um aprofundamento, um preparo que lhes possibilitasse oferecer aos alunos/as subsídios para que pudessem compreender as diversidades, não como algo dado e estático, mas que percebessem as experiências históricas a partir de seu convívio, dos contrastes sociais, das divisões e das ações que perpassam suas trajetórias. Entendemos que é no cotidiano que aparecem as diferenças e as formas de perceber essas diferenças, sempre desconfiando do que se apresenta como natural. E, compreendemos então que essa era a tarefa mais urgente nas aulas de História: desconfiar do que parecia ser natural.

Num olhar mais detido sobre o processo de ensino aprendizagem que envolve as questões de gênero, pudemos também refletir que os professores tiveram/têm a oportunidade de refazer seus próprios percursos, de rever seus pré julgamentos, bem como suas práticas de formação. Um olhar que parte de si, para o mundo.


Com a proximidade do 08 de março - Dia Internacional da Mulher - , decidimos que o PIBID realizaria uma ação no sentido de enfrentar os silêncios sobre a condição da mulher na sociedade, pois compreendemos que pensar sobre questões que envolvem as mulheres na História passa por pensarmos nos silêncios da História. Como nos alertou Michele Perrot “a História foi por muito tempo escrita pela perspectiva masculina: de homens, por homens e para homens” (PERROT, 2015) . Dessa forma, quando o discurso histórico nega visibilidade às mulheres perpetua também sua subordinação e sua imagem de receptora passiva da ação dos demais sujeitos da História (SCOTT, 1995).

Neste sentido, a fundamentação sobre as diferenças sexuais, a representação de gênero e das explicações sobre a invisibilidade das mulheres é necessária não só como tema a ser abordado na aula de história, mas também como parte fundamental da concepção de mundo que os sujeitos apreendem sobre gênero. Partindo dessa perspectiva de formação, compreendendo a importância de significar os conteúdos concretamente e por ocasião do Dia Internacional das Mulheres, os bolsistas do PIBID História tiveram a iniciativa de organizar, com as alunas do ensino médio (2o e 3o. Anos) do turno noturno, uma ação que perpassaria pela reflexão de suas próprias condições de mulheres, estudantes, mães de família, trabalhadoras e, no caso dos homens, repensar seu lugar de privilégio nessa relação e ao mesmo tempo pensar essas vivências numa perspectiva histórica.


Com esse olhar, foi organizado um ciclo de discussões sobre a mulher na sociedade atual: focando três temas: Mulheres na Política, Mulheres e o mundo do trabalho e violência contra mulher. A ação foi organizada da seguinte forma:


Cada um dos temas foi trabalhado a partir das perspectivas do presente dos alunos. Cada discussão era precedida da exibição de pequenos vídeos documentários e seguia-se o debate. O que se percebeu no primeiro momento foi um imenso interesse e curiosidade sobre o tema e a identificação das alunas com muitas das situações apresentadas e possibilidade de se discutir, desnaturalizando muitas vezes as situações corriqueiras que se apresentam como naturais.


Verificamos, ao final do ciclo de debates, que o tema da violência foi o que mais impactou, até porque várias alunas se identificaram em situações de violência e puderam discutir sobre suas condições. Dessa forma, ao final da atividade, os alunos e alunas foram incitados a levarem reportagens que falassem sobre a violência contra mulher na atualidade e foram confeccionados painéis sobre diversos tipos de violência contra a mulher, o que possibilitou a reflexão sobre suas próprias vivências e situações. Fechando a atividade foi distribuído um questionário aberto que será objeto de análise para nortear as próximas ações e reflexões sobre o tema.


Enfim, penso que o mais importante é refletirmos sobre o papel do ensino de História na educação básica, e se o compreendemos como um importante espaço para significação das experiências e espaço de construção de uma consciência histórica crítica de sua própria realidade, nossas aulas de História tem que ser vistas, como espaço político que de fato é. É lugar para, como dito anteriormente, duvidar do que se apresenta como natural, estarmos atentos e trazermos os diversos olhares, as diversas formas de organizar a vida e o viver, pensar que a representatividade dessa diversidade é importante e assim podermos ousar pensar que estamos construindo um ensino de História que foge do perigo da História única, como bem traduziu a escritora nigeriana Chimanda Ngozi Adchie, numa belíssima fala sobre a presença africana na literatura, mas que podemos trazer para as relações de gênero e as múltiplas experiências de mulheres.

 
 

Referências


PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da História. Bauru: Edusc, 2005.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 2, n. 20 , p. 71-100, jul./dez. 1995.


Vídeos

 


Patrícia Rodrigues da Silva possui doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2011). Atualmente é professora Associada da Universidade Federal do Amazonas e professora do Programa de Pós-Graduação em História.

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