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  • Foto do escritorHuMANAS: Pesquisadoras em Rede

Dos nossos cantos e sorrisos

Ensino de História e História Digital



Foto: Cottonbro | Pexels



Essa é uma temática que demanda de nós abertura. Abertura a novas práticas ou, talvez, a olhar para o que sempre fizemos de uma outra forma. Uma forma ainda mais humana, sensível e que reconheça a legitimidade do potencial transformador do ENSINO DE HISTÓRIA, mediante nossas pesquisas e investigações, para a construção de uma sociedade menos excludente – com ou sem uso do digital, apesar de defender que ele possui um papel central nesse debate. Vou dizer o porquê nas linhas que se seguem.


É uma retórica dizermos que não temos respostas. Ao mesmo tempo, e de forma muito sincera, digo que é um exercício de humildade assumir que nem sempre elas estão prontas e maduras. Todavia, o importante é caminhar em busca da formulação de questionamentos instigantes, entendendo que nossos caminhos de pesquisa são resignificados todos os dias pela presença de nossos alunos e alunas, por suas histórias, por suas angústias, por aquilo que pulsa em seus/nossos corações.


Clara Nunes escreve, antes de iniciar a música “Canto das Três Raças”: “Meu canto é o que eu tenho pra dar. Meu canto, minha cantiga, meu sorriso, meu riso...”. Aproprio-me dessa colocação para dizer algo no mesmo sentido, só trocando o verbo ‘dar’ por ‘compartilhar’. Meu ‘canto’ são meus registros de sala de aula. Meu ‘sorriso’ vem do privilégio de poder dedicar meu tempo e esforço criativo em prol desse campo tão apaixonante que é o Ensino de História. Certamente tenho interlocutores aqui.


Gostaria de frisar duas ideias-chave. A primeira delas é o reconhecimento da potência da sala de aula, seja ela de forma presencial ou remota. Entender a sala de aula como potência de pesquisa, como esse espaço tão rico de experimentação, talvez não seja consenso entre aqueles que não conhecem, não reconhecem ou não querem reconhecer o Ensino de História como campo – portanto, as dissertações, produtos, teses, artigos etc. elaborados por muitos de nós carregam um sentido político que transcende a nossa própria realidade e passa a ganhar um sentido coletivo.


Lia de Itamaracá, a rainha da ciranda que é patrimônio vivo do estado de Pernambuco, declara em seu álbum “Eu sou Lia”: “Minha ciranda não é minha só, ela é de todos nós. [E repete] Ela é de todos nós”. As nossas experiências de sala de aula são nossas, mas elas podem ser de todos/as nós na medida em que partilhamos, divulgamos e batalhamos juntos.


Fazer pesquisa, como a ciranda de Lia, é esse movimento, essa cadência coletiva em que nós damos as mãos e procuramos também nos divertir nesse processo. Apesar dos custos e renúncias envolvidas, fazer pesquisa pode ser leve. Esse é um ponto de maturidade almejado, nem sempre realístico. Tê-lo no horizonte já é um bom indício e isso precisa ser feito com o viés de pleno respeito à docência. Somos uma maioria que fazemos um trabalho de ponta, admirável, forte, em que pesem as dificuldades da profissão que, como sabemos, não são poucas.


Creio que vocês, leitores, estejam se perguntando pelo digital, afinal, essa é a pauta demarcada no título do artigo. Com quantas contradições em relação ao digital temos nos deparado desde antes do início da pandemia? Como tem sido a nossa jornada de trabalho em frente às telas? Gostaria muito de ‘ouvir’ vocês. O que levamos dessa troca entre autor/a e leitor/a é multilateral. Como disse a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz no programa Roda Viva: “A escuta é um processo transformador”. Eu opto pela escuta, inclusive, como estratégia metodológica.


Nessa mesma ocasião, Lilia pontuou que vivemos um momento em que a internet é, ao mesmo tempo, democrática e um tribunal moral. Não podemos deixar de chamar a atenção que a pandemia tem voltado mais a nossa atenção a esse tribunal do virtual e escancarado as desigualdades de toda ordem: escrevi sobre isso ainda em março de 2020 em um pequeno texto intitulado “Qual o papel do ensino de História em tempos de COVID-19?”, publicado na página da ANPUH-RJ . De lá para cá, muitos problemas têm se agravado, mas novas possibilidades também têm sido escritas pelo trabalho árduo de professores/as comprometidos.


Em diálogo com Lilia, podemos afirmar que estamos vivendo uma batalha que é tecnológica. Segundo ela, nosso século XX apostou tudo na tecnologia; tínhamos essa ideia de que a tecnologia iria nos redimir, nos salvar e, na prática, o que aconteceu foi que um pequeno microorganismo teve a capacidade de nos parar – esse é um fenômeno muito grande, complementa a autora. Lanço aqui mais uma pergunta: o que nos cabe nisso tudo como professores/as de História e pesquisadores/as do ‘ensino de’?


Tive a oportunidade de fazer pergunta semelhante para a própria Lilia em uma aula aberta sua realizada no dia 18 de setembro 2020, cujo contexto, nesse momento, versava sobre educação antirracista. Transcrevo parte da resposta dela: “Marcella, na Educação você tem muito a fazer. Mas todos nós aqui temos que fazer também. É ler de outra maneira, investigar de outra maneira”. Essa resposta serve aos usos que tenho tentando empregar no âmbito da História Digital e do Ensino de História. Precisamos de bases sólidas que nos ajudem a desenvolver o pensamento crítico nessa relação com o digital. Esse é um olhar que extrapola a Academia e a escola.


Segundo Anita Lucchesi (2020), “a História Digital não é apenas a História online na internet (...) é aquela produzida, divulgada e interpretada a partir de métodos e ferramentas digitais”, ou seja, “como a combinação de técnicas em ambientes digitais nos ajudam a fazer História e interrogar o passado de uma outra maneira”. Acrescento: interrogar o passado, investigar sobre o presente e pensar sobre o futuro.


Até hoje me pergunto, em várias das práticas que desenvolvo com estudantes da educação básica e com a formação de professores, se o que faço é história digital ou história por meios digitais. Quem dirá o que é ou o que queiramos que seja somos nós mesmos/as. Esse é um campo em aberto, em processo de amadurecimento e que precisa de mais e mais pesquisas. Atualmente sei melhor o que não quero: que o digital na História seja visto como mera ferramenta ou como mais um mecanismo excludente dos que têm acesso versus os que não têm – é importante frisar o sentido social e humano envolvido, isso não é aleatório.


Várias práticas criativas em história digital são desenvolvidas em realidades que carecem de infraestrutura, pois o digital foi compreendido como cultura, como condição de pensamento, como defendi em minha tese de doutorado. Não adianta termos todo aparato tecnológico se não mudarmos a mentalidade. A meu ver, a educação básica é, literalmente, uma grande escola para todos que querem se dedicar a pensar sobre essa História Digital.


Quais novos caminhos estão sendo abertos, seja para trabalhar sobre o digital diretamente em nossas pesquisas, seja para redefinir estratégias metodológicas via digital? Essa passou a ser uma preocupação de todos nós. Fecho esse texto com o que aprendi com meus alunos (estudantes da educação básica e professores em formação inicial e continuada): que as práticas em História Digital não tem receita pronta, mas que um ingrediente fundamental é a abertura para pensarmos juntos. É importante retirarmos de nós a carga de sermos criadores de ideias excepcionais ou que vamos inovar usando a plataforma X ou o aplicativo Y. Não, a História Digital é ação, é movimento em rede, é experimentação, é transformar possíveis erros em percepções que nos façam avançar.

 

#Ensino de História #História Digital #experimentação

 

Referências


 


Marcella Albaine Farias da Costa é pós-doutoranda em Educação pela UFRGS. Doutora em História pela UNIRIO, mestre em Educação, especialista em Tecnologias da Informação Aplicadas à Educação e graduada em História pela UFRJ. Pesquisa sobre Ensino de História, História Digital e Humanidades Digitais, sendo membro do Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE/UFRGS) e do Grupo de Pesquisa Memória Digital: Arquivo e Documento histórico no Mundo Contemporâneo (UNICAMP).

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