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  • Foto do escritorHuMANAS: Pesquisadoras em Rede

Grupo de Trabalho Mães Cientistas da UERJ



Foto: Amanda Danelli | Acervo pessoal



Somos um grupo de mães/mulheres cientistas [1] da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de diferentes cursos e institutos, que durante a pandemia da Covid-19 se reuniu virtualmente para discutir os impactos dessa crise sanitária em nossas rotinas pessoais e na nossa produção acadêmica/científica. Somos mães em sua maioria, com filhos em idades diversas, que em comum têm a consciência de que nossa instituição deve iniciar com urgência um debate que favoreça formas mais igualitárias de atuação profissional, analisando como as questões de gênero e as maternidades afetam o trabalho das mulheres em todas as profissões, incluindo a docência e a pesquisa.

Grupos de pesquisa como o Parent in Science vêm desenvolvendo um trabalho de investigação que mostra como as mulheres são prejudicadas nos atuais editais de financiamento de pesquisas e em oportunidades de trabalho por estes não considerarem em suas avaliações de produtividade questões relativas a gênero e maternidade. Dados de suas pesquisas mostram como o nascimento dos filhos, que ocorre geralmente no início da carreira docente, impacta a produtividade, pois historicamente a responsabilização pelo cuidado dos filhos é atribuída às mulheres, em especial às mães, revelando-se como um fator crítico no que diz respeito ao trabalho acadêmico, especialmente nos primeiros quatro anos da criança.

Dados do CNPq mostram que, apesar das mulheres serem maioria dentre os estudantes nos programas de mestrado e doutorado, elas levam mais tempo para atingir o topo da carreira; apenas 1/3 das bolsas de produtividade são destinadas às mulheres e, mesmo entre mulheres sem filhos, a produtividade é menor do que a de homens sem filhos, pois essas mulheres podem estar envolvidas com cuidados de outros parentes, como pais idosos ou doentes. Sabemos que essa disposição das mulheres para o cuidado é histórica e politicamente construída, não sendo algo inato ou biológico.

Com a disseminação da Covid-19, muitos estudos mostraram que a atual crise sanitária explicita e aprofunda desigualdades sociais, uma vez que tem efeitos diferenciados de acordo com gênero, raça e classe (Staniscuaski et al., 2020a, b; Myers et al., 2020). Diversas análises científicas, publicadas nos meios de comunicação de massa, evidenciam que os efeitos dessa crise são e serão vivenciados por mulheres, em particular as mulheres negras, de forma singular, profunda e a longo prazo devido à precarização das condições de trabalho, perda de emprego e renda, sobrecarga com o cuidado de outros membros da família e, em alguns casos, agravamento da violência doméstica e do feminicídio (Staniscuaski et al., 2020b; McGee e Bentley, 2017; Mlambo-Ngcuka, 2020).

A situação da comunidade acadêmica não está fora dessa realidade. A academia ainda é um lugar de privilégio na sociedade brasileira, dominado por homens, onde mulheres, especialmente mulheres negras, são minoria. Nessa conjuntura, a quarentena imposta à sua comunidade é sem dúvidas vivenciada de formas distintas pelas mulheres, em especial as mães docentes (Staniscuaski et al., 2020a).

Com o fechamento das escolas e demais medidas de isolamento social, mães e pais assumiram integralmente o trabalho do cuidado e o processo pedagógico dos seus filhos e filhas, além de tentarem preencher a ausência de outras relações sociais e afetivas temporariamente suspensas. Algumas famílias com filhos com deficiências tiveram ainda que suspender ações terapêuticas de seus filhos ou filhas, acarretando sobrecarga emocional, mental e física. Tudo isso impacta de forma desigual a vida das mulheres e, para as mães da comunidade acadêmica, afeta diretamente o nosso desempenho acadêmico, nossa saúde física e mental.

Publicações científicas têm noticiado o aumento da publicação de artigos por homens e uma queda acentuada de submissões assinadas por mulheres, dificultando o acesso dessas mulheres a financiamento para suas pesquisas e progressão nas suas carreiras. Este processo afeta não apenas a vida acadêmica das mulheres, mas a própria diversidade da produção de conhecimento, já dominantemente masculina, branca, ocidental e heterossexual.

A discussão em torno do ensino remoto ou da educação a distância aprofunda ainda mais esse quadro. A concentração exigida para a leitura e análise de textos, preparação de aulas, análise de dados de pesquisa e elaboração de artigos é amplamente afetada ou até mesmo inviabilizada para quem tem filhos e filhas pequenos em casa, com demanda de atenção e dedicação em tempo integral. Esse cenário exige de nós profundas reflexões que levem em conta o dilema historicamente combatido pelo feminismo entre a casa e o mundo do trabalho, e no caso em questão, entre a casa e a universidade, entre o cuidado e o trabalho intelectual, entre sermos docentes e mães.

As dificuldades enfrentadas pelas mães cientistas para realização de trabalhos acadêmicos foram, assim, particularmente evidenciadas e agravadas durante a pandemia, mas permanecem sendo negligenciadas na gestão universitária, ao serem reiteradamente tratadas como problemas de âmbito pessoal.

O atual momento representa, assim, retrocessos em questões básicas que o feminismo tem colocado e onde considerávamos ter tido algum avanço como a noção de que “o pessoal é político”. O trabalho do cuidado e a responsabilização histórica atribuídos às mulheres levantam questões políticas, de direitos e de desigualdade que afetam a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo e que precisamos, mais do que nunca, ressaltar.

Diante desse cenário, nos organizamos como grupo de trabalho a fim de demandar adequações e encaminhamentos nas instâncias internas de nossa instituição que mitiguem os efeitos dessa desigualdade histórica de gênero e seus efeitos na vida das mães cientistas, agravada nesse momento pela atual pandemia.

 

Nota


[1] Alexandra Tsallis – (DPSI/IP), Alice De Marchi Pereira de Souza - (DPSI/IP), Amanda Danelli Costa – (DTUR/IGEOG), Ana Cristina Fontes Moreira – (DEMAT/IPRJ), Andressa Lacerda - (DCHF/CAp-UERJ), Clarissa Coimbra Canedo – (DZ/IBRAG), Claudia Mora – (DPIS/IMS); Clemencia Mora Herrera - (DFNAE/IFADT) – Membro do Comitê de diversidade da colaboração (CMS/CERN), Daiara Fernandes de Faria - (DEMEC/IPRJ); Eugenia Zandonà - (DECOL/IBRAG) - Membro do grupo Parent in Science, Jorginete de Jesus Damião Trevisani – (DNS/NUT), Julia de Andrade – (DGH/IGEOG), Laura Lowenkron - (DPIS/IMS), Lis Custódio - (DICC/IME), Livia Flavia Carletti Jatobá –(DEMEC/IPRJ), Maira Covre-Sussai - (DSOC/ICS), Michelle G. Alonso Dominguez – (LIPO/ILE), Patrícia Lima – (DEMI/ENF), Suellem Barbosa – (DCN/CAp-UERJ), Ursula Andrea Rohrer – (DMC/IPRJ), Waleska de Araújo Aureliano – (DANTRO/ICS).

 
 

Referências


 


O Grupo de Trabalho Mães Cientistas da UERJ se formou durante a pandemia para discutir os efeitos da desigualdade de gênero na vida acadêmica/científica de docentes-pesquisadoras e sugerir a adoção de ações mitigadoras dessa desigualdade.

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