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Mulher, pobre e do interior: A docência como destino?

Uma reflexão sobre a formação de professores




Foto: Markus Spiske



Esta pesquisa resultou no meu trabalho de conclusão de Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense. LEMOS, L. M. S. Mulher, pobre e do interior - A docência como destino? Uma reflexão sobre a formação de professores em São Francisco de Itabapoana. UFF, 2016.


No Brasil, a docência fora iniciada por religiosos, no século XVI, sendo estes principalmente jesuítas e, por isso, por muito tempo, foram os homens que se ocupavam do magistério. No século XIX, mudanças sociais como a urbanização das cidades, a Revolução Industrial, além do fortalecimento do positivismo, contribuiu para a formação de um pensamento que redefiniu a responsabilidade social das mulheres.


Nesse contexto e alinhada com essas mudanças, surgiram as Escolas Normais[1], abertas para ambos os sexos. Para as mulheres-professoras, coube a função de civilizadoras. Dava-se o início ao que é considerado por muitos autores (as) o processo de feminização do magistério.


Minha maior motivação para a escolha desse tema de pesquisa foi ter sido moradora do município de São Francisco de Itabapoana por mais de 10 anos e ter tido ao longo da minha adolescência contato indireto com o curso de formação de professores, uma vez que várias das minhas amigas optaram pela carreira docente já durante o Ensino Médio.


Embasada no pensamento de autores como PERROT (1998); PIMENTA (2001); SAFFIOTI, 1969; CHAMON, 2006 e LOURO (1997), minha pesquisa buscou refletir sobre as relações de gênero na formação das professoras do Ensino Infantil e Fundamental I. Para tal objetivo, realizamos a análise quantitativa e qualitativa dos dados e respostas obtidos. Foi escolhido como escola-campo o colégio estadual São Francisco de Paula. O contato com o colégio se deu por meio do meu interesse em estudar a entrada das mulheres na carreira docente. Apesar da existência do curso superior de Pedagogia à distância oferecido pela UENF/CEDERJ na cidade, esse colégio é o único do município que ainda oferece formação de professores e ainda recebe número considerável de mulheres.


Elomar Tambara (2002) afirma que o processo de profissionalização do magistério, ocorrido no Brasil em decorrência da criação das escolas normais[2], teria contribuído para a consolidação do “magistério primário como atividade de segundo nível.” (TAMBARA, 2002, p.2). Explica ainda que o magistério passou a ser, após esse período, visto como uma atividade feminina, como “coisa de mulher”. O autor constata que as escolas normais, no século XIX, buscaram firmar a ideia de que a mulher tinha características psíquicas e vocacionais para o ensino primário. Era reforçado o caráter vocacional da profissão. A mulher teria vocação para lecionar tanto quanto para ser mãe.


Esse tipo de discurso fora muito utilizado durante os séculos XIX e XX na sociedade brasileira, de forma tão predominante que criara todo um imaginário acerca do que se acreditavam ser aptidões ou condições vocacionais para que a mulher realizasse a docência.


Objetivando compreender a questão de gênero na formação de professores do ensino Infantil e Fundamental no município de São Francisco do Itabapoana, utilizamos como metodologia a aplicação e, posteriormente, a análise de questionários para a investigação quantitativa e qualitativa dos dados à medida que a partir das respostas obtidas na pesquisa as trouxemos ao diálogo com a bibliografia citada. No processo de análise dos dados, pretendemos, com os resultados dos questionários, traçar o perfil social e econômico dos(das) estudantes, a escolaridade dos pais dos alunos, a motivação dos(as) alunos(as) para a escolha do curso, e questões como a opinião das alunas sobre as mulheres terem mais vocação ou habilidades para lecionar no ensino primário.


Foi interessante notar como a alternativa “vocação” apareceu de forma significativa nas respostas. Essa ideia foi reforçada na própria fala dos(as) alunos(as) quando perguntados “Você acredita que a mulher tem mais vocação ou habilidades naturais para lecionar no ensino primário? Justifique.” A aluna A respondeu: “Sim, pois a mulher tem uma forma especial de se relacionar com crianças, talvez por instinto, por compreender melhor e por dedicação criativa.” Enquanto a aluna B disse que “Sim, porque a mulher tem mais espírito de mãe e mais paciência para cuidar das crianças.”


Percebemos na própria fala das estudantes o preconceito relacionado ao gênero e à atribuição vocacional ao exercício do magistério. Dessa forma, observamos a permanência de uma ideia que, segundo vimos, desde o século XIX, reforça o caráter vocacional da professora, algo inerente à natureza da mulher, a ideia de uma vocação inata que ainda permanece em nossa sociedade. A pesquisa apontou que a profissão docente ainda se configura para as mulheres do interior como uma profissão privilegiada, muitas vezes ainda vista como um “destino” possível que lhes permite, de certa forma, um primeiro emprego ou estabilidade financeira. Reitero que contribuir para a escrita da história das mulheres-professoras do município de São Francisco de Itabapoana, local que carece tanto de fontes históricas, é ter a chance de escrever e retratar um pouco da realidade e da história daquelas mulheres, é escrever também, minha própria história.

 

Notas

[1] Segundo Kulesza (1998) no século XIX surge nas províncias do Brasil a formação de professores intimamente ligada aos Liceus. Esta formação estava disponível apenas para uma elite masculina e esta influenciou, segundo a autora, densamente a criação das Escolas Normais, que passaram a ser, ao mesmo tempo, profissionais, secundárias e majoritariamente feminina.

[2] As Escolas Normais começaram a surgir no Brasil no século XIX. A primeira delas foi criada em Niterói em 1835 (VILLELA,1990).

 
 

Referências

CHAMON, Magda. Trajetória de feminização do magistério e a (con)formação das identidades profissionais. In: SEMINÁRIO DA REDESTRADO, 6., 2006, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: UERJ, 2006. Disponível em: < http://www.fae.ufmg.br/estrado/cd_viseminario/trabalhos/eixo_tematico_1/trajetoriade_feminizacao.doc>. Acesso em 20/05/2016.

KULESZA, Wojciech Andrzej. A institucionalização da Escola Normal no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 79, n. 193, p. 63-71, set./dez. 1998.

LOURO, G. L. Mulheres nas salas de aula. In: Mary del Priore (Org.). História das Mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1997. p. 443-481.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da História. São Paulo, Bauru, Edusc,

2005.

PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teoria e

prática? São Paulo, Cortez, 2001.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu

Abramo, 2004.

TAMBARA, E. Profissionalização, Escola Normal. Feminização, Feminilização:

magistério sul-rio-grandense de instrução pública 1880-1935. IN:HYPOLITO, A;

VIEIRA, J; GARCIA, Maria M. Trabalho Docente: Formação e Identidade. Pelotas:

Seiva, 2002.

VILLELA, Heloisa de Oliveira Santos. A primeira Escola Normal do Brasil: uma

contribuição à história da formação de professores. Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.

 


Lívia de Mello Silva Lemos atualmente é membro do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São Francisco de Itabapoana. É mediadora escolar e professora da educação básica na rede pública e privada. Desenvolveu pesquisas nas áreas de Ensino de história, História de gênero e História das mulheres.

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