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Confissões de uma professora de História na Pandemia



A professora Anália Franco (sentada ao centro da primeira fileira) com as alunas e professoras do Liceu Feminino da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, São Paulo, 1907 | Wikipédia


Era 2019, estava prestes a desistir de dar aula, estava desempregada e, assim como milhares de jovens no Brasil, já fazia 3 anos que só conseguia uma substituição ali e outra acolá. Desde o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma, tudo anda muito difícil em nosso país. Aliás quantos ataques machistas nossa primeira Presidenta mulher não sofreu até se findar o golpe. Frases nojentas eram pronunciadas em manifestações e redes sociais. O machismo escancarado e pronunciado pela “Família tradicional brasileira”.


Nas Universidades Públicas começariam os ataques, sobretudo, às ciências humanas. Sofremos de todos os lados e acusações de doutrinação. Cortes de bolsas em projetos, falta de infraestrutura, negação da ciência e de todo conhecimento científico e não por menos a História também foi afetada bruscamente.


Na educação, a disciplina História é tratada como um acessório, quantas vezes professoras e professores de História são desvalorizados no ambiente escolar ou taxados pejorativamente por colegas de profissão.


Quando não mais falsários, insistem em denunciar professoras e professores de História com o pretexto de que fazemos doutrinação através de projetos autoritários como “Escola sem Partido”. Muitas sofrem caladas presas em um sistema educacional que massacra nossa saúde mental. Falemos mais dos nossos cotidianos e de como o sistema educacional nos sabota, mas também dos cotidianos acadêmicos e de como nossas professoras e alunas nas universidades também lidam com as angústias, machismos e assédios em seu ambiente de estudo e trabalho.


Toda professora sabe como o começo é difícil, não temos estabilidade, somos contratadas para substituições mal remuneradas . Como todos dizem “pagamos para trabalhar”. Mais não devia ser assim. A docência no Brasil ainda é vista com desdém. Uma profissão tão pouco valorizada, mas que guarda muitas virtudes, uma delas é ensinar as crianças e jovens o sentido da História para suas vidas. É empoderar meninas, fazer crescer sonhos e mostrar as inúmeras possibilidades que elas podem querer ter para seu futuro. Isso sem dúvida alguma é mais importante que o tecnicismo educacional que se impõe.


O Estado trata a educação como mercadoria ou objeto de barganhas políticas. Digo isso, porque em dezembro assino minha demissão, porque o sistema é assim, não te deixa seguir em frente com nossas alunas e alunos, convivemos com as incertezas do que poderá vir a ser. É triste a desvalorização. Tudo que você trabalhou não tem valor. Minha solidariedade a todas as professoras e professores de História chamados de “Contratados”, somos uma categoria sem direitos no sistema público de ensino. Precisamos questionar esse sistema.


Penso ainda na pandemia e na importância da escola para a vida das alunas e alunos, muitos enlutados pela perda de familiares pela COVID-19 ou ainda sofrendo os efeitos do isolamento social como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Seria importante que as escolas pelo Brasil e nós professoras possamos acolher essas alunas e alunos com a dignidade e respeito que merecem. O papel da escola é fundamental na vida de milhares de crianças e jovens no Brasil. Que possamos ressignificar o papel da escola e da educação em nosso país, a pandemia escancarou muitos problemas, mas também revelou que juntas somos mais fortes.


Nesta pandemia fomos impactadas de uma maneira inimaginável, dar aulas de maneira remota, a distância, uma separação física entre nós e nossas alunas e alunos. O mais difícil era estar longe. Nossos encontros do dia a dia, a convivência, as sensações e os sentidos construídos e que se misturam em uma sala de aula. Ficar sem tudo isso foi doloroso. Mesmo assim nos engajamos e lá estávamos nós dando aulas a distância e utilizando as tecnologias. Mesmo que frustradas algumas vezes no seu uso. Quantas de nós não nos reinventamos em nossas práticas pedagógicas. Tantos aprendizados foram e estão sendo construídos nessa pandemia e que certamente serão muito importantes para se debater os rumos para a construção de uma educação pública e de qualidade no Brasil.


As desigualdades se escancararam, quantas alunas e alunos que por falta de recursos não foram excluídos do ensino remoto e nem sequer tiveram a oportunidade de participar ou ainda das próprias dificuldades de aprendizagem ou pela fome que voltou a rondar as casas de milhares pessoas no Brasil, as escolas são onde nossas alunas e alunos garantem muitas vezes as refeições diárias. Com quantas histórias não lidamos nesta pandemia e que puderam nos mostrar as facetas desiguais do nosso país. Confesso, esses dias me emocionei, chorei com uma mãe ao telefone e que me disse da importância de nós professoras e da escola para suas filhas. Aquele seu depoimento me tocou, ali naquele momento, tive a certeza da importância da educação e do ensino de história para nossas crianças e jovens.


Os caminhos possíveis nessa reconstrução são vocês, professoras e professores, nas suas escolas e nas suas universidades, é o engajamento político e social, um dos caminhos para que juntas lutemos na construção de políticas públicas que fomentem a qualidade da educação, condições dignas de trabalho, valorização profissional e, sobretudo, da importância do ensino de História para a educação e para a vida dos estudantes brasileiros.


Escrevo isso, porque o governo federal fechou os olhos e abandonou o sistema educacional público na pandemia, o que já era de se esperar com um presidente fake no poder, nada foi proposto ou discutido nesta pandemia. Coube aos governos Estaduais e municipais essa tarefa, estivemos sozinhas. Foi um ano difícil, mas não sem conquistas. Enquanto o governo federal, do presidente fake, anunciava uma guerra ideológica contra a educação querendo tirar direitos, obtivemos uma vitória contra o obscurantismo do ministério da educação, a aprovação do FUNDEB pelo Congresso Nacional foi uma conquista de todas e todos que lutam pela educação pública e de qualidade. Além disso, a profissão historiador foi regulamentada, uma conquista para todas nós. Por isso acredito que nosso papel enquanto historiadoras e historiadores é nessa direção, juntamente com nossa associação ANPUH e coletivos. Que lutemos por uma educação de qualidade e de valorização profissional.


Ser professora é todo dia se reconhecer no outro, conviver com as diferenças e lidar com elas, ter empatia com as mais diversas situações e não desanimar, é doar muito amor para suas alunas(os) sem esperar nada em troca, é ter coragem todos os dias para enfrentar nossa luta diária. Por isso, meu respeito e admiração a todas as professoras e professores de História das escolas e das universidades que há muitas décadas lutam por melhorias nas condições de trabalho, pela educação pública de qualidade, pela pesquisa e acesso a todas e todos à universidade pública e gratuita e pelos combates travados e os que estão por vir pela História.


Finalizo, com minha admiração a todas as mulheres que estão em suas lutas diárias contra os machismos cotidianos. Me inspiro na luta de cada uma das milhares de mulheres guerreiras de nosso Brasil. Portanto, que não nos deixemos sucumbir pelo sistema, nossa história é de luta e subversão dos valores patriarcais. Avante guerreiras!

 

OBS: O blog do Wix só permite fazer indexações usando hashtags; para evitar problemas e manter a consistência do procedimento, fazer sempre como no formato acima, começando com # e escrevendo tudo junto; inserir apenas um espaço entre uma hashtag e outra; usar maiúsculas para diferenciar palavras quando forem expressões compostas, como fiz acima (para um exemplo com termos "reais", consultar o texto da Glória) - Não esquecer de apagar esta explicação :)

 

Referências


BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4° ed. São Paulo. Cortez, 2011.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 36 ed, São Paulo: Paz e Terra, 2009.

 


Bruna Carolina Marino Rodrigues é professora historiadora, atualmente leciona na rede pública de ensino. Licenciada (2016) e mestra(2019) em História pela Universidade Estadual de Londrina.

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