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  • Foto do escritorHuMANAS: Pesquisadoras em Rede

Projeto Canal da América

Extensão universitária em tempos de pandemia




Juiz de Fora. Março de 2020. O início do semestre prometia. A ementa do curso de História da América para os alunos de graduação em História estava dos sonhos. Minha primeira turma, oficialmente, como professora do Magistério Público Federal. Sabemos o quão árduo e injusto é o sistema de concursos no Brasil e, passar por ele, depois de muitas tentativas, é uma das maiores conquistas pessoais e profissionais no universo particular da Academia. Junto ao medo, havia certa euforia pela total mudança de vida, de ares, de cidade...


Dia 16 de março de 2020. Toda a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Juiz de Fora foi notificada a respeito da paralisação das atividades presenciais em seu campus. Nos dias seguintes, fenômeno semelhante ocorreu nas universidades de todo o país. Motivo: a epidemia de Covid-19. Este vírus que tem nos mantido em isolamento social desde então e que gerou algumas questões: o que fazer nesse momento? Como manter certa sanidade diante do caos instaurado em escala global, em que sistemas de saúde entraram em colapso e os prognósticos sociais e econômicos são desalentadores? Mais particularmente em torno da minha nova realidade: como manter uma aproximação com os meus recém-conhecidos alunos?


Recém-chegada de terras cariocas e uma “estrangeira” em Juiz de Fora, comecei a refletir sobre quais possibilidades eram viáveis. Busquei contatos via e-mail com os alunos a fim de saber sobre eles e dar dicas de como lidar com algo que todos nós estamos buscando nos adaptar: o isolamento e ficar em casa quando boa parte de nossa vida é nas ruas trabalhando, dando passeios, visitando lugares e pessoas queridas. Havia certa dose de frustração pelo curso não dado presencialmente, decepção diante das minhas muitas expectativas em relação ao primeiro semestre de 2020. E entrei em certo colapso pela falta da sala de aula. Sim, a sala de aula ainda é motivo para muitos professores permanecerem na Educação, nas mais variadas instâncias de ensino.


Diante do próprio colapso pessoal, comecei a perceber o papel da Internet para as discussões em torno das Humanidades em geral, e da História em particular. Nunca antes na história da Universidade pública brasileira houve a junção de tantas iniciativas em defesa de projetos de caráter não presencial, mas on-line, em que se faz possível manter algum tipo de contato e de distanciamento social. Redes de solidariedade, trocas e acolhimentos se formaram pelas vias virtuais a fim de melhor contribuir para a educação de nossos estudantes e também atingir familiares, amigos próximos e pessoas de outras áreas do conhecimento. A difusão de práticas de divulgação histórica e a construção de uma História Pública saíram dos papéis e começaram a render seus primeiros frutos no Brasil.


No conjunto dessas iniciativas, resolvi que era momento de trazer um pouco das Américas para diálogos mais amplos. Tateando e ouvindo opiniões, comecei um projeto que esbarra por vezes na minha própria timidez: o Canal da América. Começamos no dia 17 de maio no Instagram, mas ainda parecia pouco. Precisava fazer algo mais. Isso era importante e urgente. E o passo se tornou maior ao driblar a timidez dos holofotes e criar o Canal da América no YouTube. A partir de então, algumas coisas mudaram. Passei a me ver convidando professores de várias instituições para conversar comigo sobre suas pesquisas. Passei a vivenciar na prática o mundo digital, os aplicativos e sites de transmissão para o YouTube, divulgar e montar roteiros de possíveis perguntas aos colegas, que prontamente vêm aceitando participar do projeto. A barreira da timidez, tão nítida e de aparência intransponível para mim, passou a ser aliada fundamental em busca de uma aproximação maior com os alunos da UFJF e de outras instituições.


Nossa primeira live foi no dia 26 de maio e tem acontecido de forma contínua, envolvendo temas variados tais como discussões sobre raça e racismos, regimes autoritários, conquistas e seus imaginários nas Américas, memória e comemoração, cultura negra no Atlântico, entre outros. Discussões que são frutos de pesquisas desenvolvidas no âmbito das Universidades Públicas, dos cursos de Graduação e Pós-Graduação de nosso país. Longe de sermos uma apresentação nos moldes acadêmicos, o Canal da América se propõe a um diálogo, a um bate-papo sobre nosso passado à luz dos problemas do nosso presente. Nosso objetivo maior é difundir os estudos americanistas no Brasil, entendendo que estudar a história das Américas é fundamental para a compreensão da nossa própria história. Acreditamos que a montagem de um acervo audiovisual contemplando as pesquisas desenvolvidas no Brasil na área de História da América vá contribuir para a formação de futuros historiadores(as) e professores(as) de História.


Os resultados têm sido muito interessantes. Hoje, temos quase 800 seguidores no Instagram. No YouTube, chegamos a quase 400 visualizações em um vídeo e temos em torno de 220 inscritos. O público é cada vez mais variado, o que mostra o interesse na área. Porém, tirando os números, a satisfação com o que temos desenvolvido aumentou e alcançamos um dos objetivos mais importantes até aqui: a aproximação com nossos estudantes. Conseguimos uma ação importante junto à Universidade nas últimas semanas: confeccionar certificados que são enviados aos participantes das transmissões ao vivo. O próximo passo é torná-lo um projeto de extensão universitária que se prolongue para além da quarentena. A partir disso, o projeto Canal da América vai iniciar um processo de ampliação, envolvendo discussões sobre filmes e acervos digitais na produção do conhecimento histórico.


Como dito linhas acima, as Universidades públicas brasileiras têm se esforçado coletivamente em projetos de atividades virtuais que levam conhecimento a públicos mais amplos. A Covid-19 contribuiu para uma reformulação da nossa própria forma de se comunicar com o mundo e dizer o que fazemos. Talvez, a ideia de extensão universitária tenha ganhado um forte aliado nas plataformas e mídias digitais. No que tange ao Canal da América, desejamos que o projeto continue ganhando maior fôlego e, mais importante, sirva de fonte de inspiração e de inquietação não somente para os estudantes, mas também para o conjunto dos cidadãos de nossa república.

 
 


Hevelly Ferreira Acruche é professora de História da América e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Tem interesse em temas como fronteiras americanas, história da escravidão indígena e africana, historiografia e ensino de história.

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